“Nada que sintetize mais a tênue linha do controle e do descontrole da vida do que o ato de andar a cavalo” 2019

por | jul 25, 2019 | Acervo, Textos

“Nada que sintetize mais a tênue linha do controle e do descontrole da vida do que o ato de andar a cavalo”

Por Camilla Delouya – Literatura – Grupo de Leitura e Escrita

Colinas que retêm todos os tons de verde: verde-claro, verde-musgo, verde-militar, verde-limão, verde-capim. Entre elas, brota o céu do azul-de-meio-dia, o mais limpo e puro que existe na Terra. Vacas de diferentes cores e estampas ocupam uma parte quase ínfima da paisagem. O menino com os olhos da cor do céu pergunta: “Como as vacas não rolam do topo?”. Silêncio. Não um completo silêncio, pois há o piado das aves, o relinchado dos cavalos, o latido dos cães e o mugido dos bois. As estradas de terra levantam uma poeira avermelhada que envolve a todos. O menino suspira e diz:

“É impressionante como todas as vezes eu me surpreendo com a beleza daqui”. Silêncio de novo. A irmã imita barulhos de beijo para que seu cavalo corra, e galopa para o meio da mata, deixando o menino e a namorada. A princípio tem controle de tudo: suas pernas batem na barriga do cavalo para conduzir o ritmo, uma das mão segura a rédea controlando a direção e a outra segura o santo antônio para dar equilíbrio, e seu corpo entra no embalo da corrida. Segue com essa sensação de completude que só o ato de andar a cavalo dá, com o vento saboroso batendo em seu rosto e em seus cabelos.

Quando menos espera, Amarelinho muda o ritmo de seu galope e ela se perde. Não há mais harmonia, não há mais equilíbrio. A completude cessa e o medo-delícia a domina. Quer que o Amarelinho pare. Quer descer dele e gritar que ele estragou tudo, que agora não existe mais graça ou beleza na vida porque ele mudou o ritmo. Ao mesmo tempo, não quer descer do cavalo: quer continuar correndo e ver todos os cenários passando por ela, como se estivesse em um trem de outra época.

Espera o cavalo diminuir a velocidade e o deixa conduzir o caminho dessa vez. Aos poucos, Amarelinho para. Ela tira os pés do estribo, desce da sela, solta o cabresto, beija a fronte do cavalo e, puxando-o bem lentamente, volta para casa em silêncio, observando as colinas, as vacas, os cavalos, os cães. E todos os tons de verde.

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